Acertos na estética do universo e nas referências não escondem defeitos de uma adaptação ocasionalmente divertida, mas sem alma
Carlos Gabriel Tolêdo
Fonte:
omelete.com.br
Em: 18.05.2021
Uma luta entre o bem e o mal em Mortal Kombat Imagem: images.hdqwalls.com |
Os tempos estão mudando. Com o sucesso colossal dos videogames
cada vez mais difícil de ser ignorado, Hollywood percebeu o potencial de
uma nova tendência e colocou uma infinidade de projetos em desenvolvimento.
Nesse primeiro momento, apesar de exemplos sólidos como Sonic, falta uma
obra de peso que realmente dará o pontapé inicial para a era dos games na TV e
nos cinemas. Entre erros e acertos, esse posto não será do novo Mortal
Kombat.
Aliás, a adaptação dos games da NetherRealm tem tudo
para ser divisiva. Não necessariamente por tomar grandes riscos ou decisões
ousadas, mas sim por colocar grande esforço de produção em algo que se contenta
em entregar o básico, criando uma experiência que é divertida em muitos
momentos, mas que joga tão seguro ao ponto da frustração.
Mortal Kombat: comparamos os personagens do novo filme com
o clássico de 1995
A trama acompanha Cole Young (Lewis Tan), um lutador de MMA que se envolve em intrigas de realidades paralelas ao ser caçado por Sub-Zero (Joe Taslim), assassino enviado pelo perverso Shang Tsung (Chin Han). Acontece que, há séculos, a humanidade disputa o controle da Terra com reinos paralelos em uma competição sangrenta chamada de Mortal Kombat. Com o reino da Exoterra prestes a ganhar seu décimo torneio consecutivo, o destino do planeta fica nas mãos do deus do trovão Raiden (Tadanobu Asano), que reúne Cole e outros lutadores escolhidos para defender a humanidade na disputa.
Cole Young em luta imagem: thesun.co.uk |
Para quem nunca teve contato algum com Mortal Kombat, o filme faz um ótimo serviço em traduzir uma mitologia bastante expansiva - de realidades alternativas, tradições anciãs, deuses antigos e forças do mal - em algo de fácil compreensão. O mais surpreendente, é conseguir isso sem alienar o fã antigo, algo consistente com a forma de narrativa de títulos recentes, como Mortal Kombat X e Mortal Kombat 11, ainda que bem mais superficial. É visível que há muito carinho pelos games na produção, que consegue preservar a essência do material-base.
Como “fan service”, o longa é um acerto: alterna entre
brincar e homenagear a própria mitologia, apresenta um grupo considerável de
rostos dos jogos, e recria cenários e figurinos de forma precisa, mas sem
deixar de tomar algumas liberdades criativas que lhe garantem autenticidade.
Seja nos fatalities bastante sangrentos (um dos maiores destaques), ou
então em piadas muito específicas, como Liu Kang (Ludi Lin) “apelando”
na rasteira durante uma luta, é certo que há algo de valor para o público mais
experiente e fiel.
O problema é a construção de Mortal Kombat como filme. O
roteiro não faz ideia do que explorar no universo intrigante que tem nas mãos.
Sem um bom gancho na trama, fica visível que a única motivação da obra é criar
uma franquia nos cinemas. Isso motiva decisões questionáveis, como deixar o
torneio titular apenas para a sequência, e usar suas quase duas horas de
duração para criar uma equipe de heróis, em uma estrutura narrativa que mira na
Marvel Studios, mas entrega uma jornada de descobrimento juvenil a lá Percy
Jackson, em que cada um dos lutadores precisa achar seu poder interior. A
abordagem não bate com o tom, e também dá um gosto de adaptação genérica ao
longa. Salvo por Kano (Josh Lawson) aliviando a tensão com bom humor,
Mortal Kombat não demonstra um pingo de alma em sua trama ou personagens, e
mais parece fruto de uma inteligência artificial do que da criatividade de um
humano.
A direção talvez seja o maior dos problemas. Não é incomum
que diretores de comerciais e videoclipes migrem para o cinema, mesmo em
projetos grandes. No começo dos anos 2000, por exemplo, foi o caso de Zack
Snyder com Madrugada dos Mortos (2004). Já Simon McQuoid
tinha certa proximidade com o universo dos games, ao ter comandado propagandas
para Halo e para o PlayStation. O cineasta, porém, não fica à altura de
Mortal Kombat, e falha não só em dar estilo e personalidade ao longa, mas
também em tornar as lutas, o ponto central da nova adaptação, combates
interessantes e criativos.
É preciso ressaltar o quão bom é o elenco do longa, especialmente no lado asiático, repleto de intérpretes experientes em artes marciais e produções de gênero. Isso não fica visível nas mãos de McQuoid, que roda as brigas sem nenhuma atenção ao ritmo, ao impacto da porradaria ou ao esforço dos participantes. Também não há consistência alguma nos combates, que ora são super picotados e mal montados, ora são tão lerdos que mais parecem um ensaio.
Scorpion no Mortal Kombat 11 Imagem: uhdpaper.com |
Entre os atores, há poucos cujo talento é tanto que se
destacam mesmo na câmera medíocre do cineasta. O Kung Lao de Max Huang,
por exemplo, brilha em todos os momentos que aparece, ainda que a expertise do
discípulo de Jackie Chan pouco dê as caras. Já o Sub-Zero de Joe Taslim
é tão ameaçador e habilidoso que sua presença é a mais marcante de toda a obra.
O Scorpion de Hiroyuki Sanada, eternamente em guerra com Sub-Zero,
também fica à altura do rival, e a dupla protagoniza as duas únicas lutas que
verdadeiramente valem a pena. Mas, para um filme em que a porradaria é ofertada
como prato principal, é especialmente decepcionante sair insatisfeito com isso.
Tanto a escrita quanto a direção decepcionam aqui, mas nem
sempre ter um diretor novato é sinônimo de fracasso. Afinal, em 1995, a New
Line Cinema fez justamente isso, colocando o então-iniciante Paul W.S.
Anderson para comandar a primeira adaptação de Mortal Kombat. O clássico é
de uma galhofa gigantesca, com lutas lamentáveis e uma aura de filme B - e
mesmo assim se sai melhor que a versão de 2021, justamente por demonstrar
escolhas ousadas e um estilo marcante em prol do puro entretenimento.
É possível se divertir com o novo filme, seja pelo carisma do elenco, pelos ocasionais fatalities ou pelo universo intrigante, mas é uma obra que em momento algum demonstra ter a voz de um cineasta. Na promessa de uma sequência que enfim mostrará o torneio (e a chegada de Johnny Cage), há com o que se animar no futuro, mas urge a necessidade de uma nova equipe criativa que realmente queira entregar um filme bom com todas as peças que têm nas mãos, e não só levantar uma marca bilionária nas telonas para o estúdio.
Poster Mortal Kombat Imagem: mb.web.sapo.io |