Primeiro filme de Zack Snyder pós-DC é sangrento, brega e divertido em doses iguais
Carlos Gabriel Tolêdo
Fonte: omelete.com.br
Em: 11.05.2021
Grupo se preparando para o assalto Imagem: sm.ign.com |
A produção da Netflix é importante para o cineasta,
que originalmente bolou a premissa ainda no começo dos anos 2000, mas que só
agora tirou a ideia da gaveta. Na trama, a cidade de Las Vegas é tomada por uma
infecção zumbi após a fuga de um experimento da Área 51. Os militares agem
rápido para isolar o local, cercar com muros e manter todos os mortos-vivos do
lado de dentro. Com a praga controlada, o resto do mundo atinge um grau de
normalidade, e o governo decide exterminar os mortos-vivos com uma bomba
nuclear. O problema surge quando o ex-soldado Scott (Dave Bautista)
recebe a proposta de montar uma equipe e invadir a cidade em suas últimas horas
para saquear o cofre de um cassino, que foi deixado para trás com US$200
milhões.
O filme pode não servir nada realmente inédito ao
subgênero, tão explorado entre as décadas de 1980 e 2010, mas traz leves
modificações que criam uma experiência única. O início da infecção ter uma
aparente conexão alienígena, por exemplo, ou então o fato de não ser uma
jornada pelo pós-apocalipse. O surto foi contido com sucesso, e o mundo mantém
certa normalidade exceto pela região contaminada. Esses elementos são pequenos
por si só, mas ajudam a remixar fórmulas conhecidas, e tiram da jogada noções
como “a origem do surto viral” ou “a luta cotidiana pela sobrevivência”.
Questões do tipo são a base de muitas obras e já foram discutidas à exaustão em
todo tipo de mídia. Com isso fora do caminho, o longa pode focar na missão
principal sem maiores preocupações.
Em Army of the Dead, Snyder reconhece o impacto que sua versão de Madrugada dos Mortos teve para os zumbis no começo dos anos 2000 - especialmente para os videogames, bebendo da estética saturada, equipamentos improvisados e inimigos variados -, mas também soa como uma obra perdida daquela época, com regras muito bem estabelecidas e personagens previsíveis. As prévias dão uma ideia de uma jornada mais absurda do que realmente entrega, mas isso não diminui seu peso. O lado blockbuster do subgênero, vivo por títulos esporádicos como um Guerra Mundial Z (2013) ou um Invasão Zumbi (2016), anda tão estagnado que ver algo básico, mas muito bem conduzido, caí como uma luva para os fãs sedentos por sangue, tripas e matanças criativas.
O que faz o filme funcionar tão bem é o carisma de seu elenco. Mesmo sem um pingo de desenvolvimento decente, cada membro da equipe traz algo marcante, e a química entre eles é um destaque por si só, como a parceria entre Scott (Bautista) e Cruz (Ana de la Reguera), ou a inusitada amizade entre o badass Van (Omari Hardwick) e Dieter (Matthias Schweighöfer), especialista em arrombar cofres. Até os mais secundários brilham, como a Coiote (Nora Arnezeder), que guia o grupo pelo mundo dos mortos, ou então a sarcástica Peters, pilota de helicóptero vivida por Tig Notaro - atriz que foi adição de última hora à produção, mas rouba a cena sempre que dá as caras.
Dave Bautista em Army of the Dead Imagem: observer.com |
O elenco merece o reconhecimento especialmente por conseguir criar personagens tão divertidos em cima de um roteiro bastante questionável. A trama é convincente, mas os diálogos são terríveis: excessivamente expositivos e bregas, porém não de um jeito irônico. Há muitos bons momentos de humor que surgem ao longo da obra, mas raramente os risos vêm das piadas intencionais. Os primeiros 40 minutos do longa, que servem apenas para preparar o terreno, são um verdadeiro teste de resistência. Felizmente, quando as coisas engatam, Army of the Dead conquista, e muito se dá pela ótima direção. O que Zack Snyder deixa a desejar como roteirista, ele compensa por trás das câmeras.
Em eventos de divulgação, o diretor enfatizou que o longa
não se trata só de horror, mas sim uma mistura de gêneros. O filme segue essa
ideia à risca, e mostra influência tanto de Romero, quanto Fuga de Nova York
(1981), de John Carpenter. Transitar entre ação e terror não é tarefa
fácil, mas o cineasta se mostra flexível. Um momento em que o grupo precisa
passar uma cozinha infestada de mortos começa repleta de tensão, e é conduzida
de forma sufocante e claustrofóbica quando os soldados tentam encontrar o
caminho em meio à escuridão. Eventualmente, as coisas dão errado, e a cena vai
do silêncio ao caos, com tiroteio, fuga e traição e boas coreografias de
porradaria. É um pouco surpreendente que Snyder consiga alternar o tom de forma
tão fluida, especialmente acumulando funções nos bastidores. Isso, porém, tem
um preço.
Após anos de produções visualmente marcantes, é normal
esperar um espetáculo do cineasta, mas esse é o seu trabalho mais esteticamente
moderado até agora. Muitas de suas marcas registradas dão as caras, como as
composições melancólicas, o apreço pela mitologia e religião e, claro, o uso
sem ressalvas de slow motion. Ainda assim, a frequência e a escala dessas
decisões estilísticas são muito mais comedidas do que o esperado, sem muita
grandiosidade.
Muito disso vem do fato de que essa é sua primeira vez como diretor de fotografia, função que antes era de colaboradores como Larry Fong (300, Watchmen, Batman vs Superman). Sem o colega (que recebe um easter egg em forma de cartaz de show de mágica), Snyder dá uns passos para trás e tenta aprender a realizar seu ambicioso estilo autoral com as próprias mãos. O resultado é algo diluído, mas altamente digerível para quem não vai com a cara de seu trabalho. Já quem é fã pode ficar desapontado de vê-lo mais limitado. Em ambos os casos, porém, a assinatura do diretor é bastante visível.
Army of the Dead pode ter muitas ideias repetitivas e não
impressionar na trama ou nos personagens, mas é autêntico em reconstruir a
pegada dos filmes de zumbis dos anos 2000, focando na sanguinolência (muito bem
feita, por sinal) e na ação. É especialmente interessante que esse tenha sido o
primeiro projeto de Zack Snyder após anos dedicado à DC Comics. Para
quem construiu uma fama de fazer obras sombrias e realistas, aqui é muito
visível que o objetivo foi se divertir. Isso também se estende ao elenco, que
eventualmente contorna o roteiro lamentável e abraça a breguice, visando o puro
entretenimento. O resultado é altamente satisfatório: um filme que segura o
espectador pela ação, pela tensão e também, claro, pela tosqueira. Tudo sem
medo de ser feliz.
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