terça-feira, 8 de junho de 2021

Crítica: Mortal Kombat vive pelo fan service em filme morno

Acertos na estética do universo e nas referências não escondem defeitos de uma adaptação ocasionalmente divertida, mas sem alma

Carlos Gabriel Tolêdo

Fonte: omelete.com.br

Em: 18.05.2021


Uma luta entre o bem e o mal em Mortal Kombat
Imagem: images.hdqwalls.com

Os tempos estão mudando. Com o sucesso colossal dos videogames cada vez mais difícil de ser ignorado, Hollywood percebeu o potencial de uma nova tendência e colocou uma infinidade de projetos em desenvolvimento. Nesse primeiro momento, apesar de exemplos sólidos como Sonic, falta uma obra de peso que realmente dará o pontapé inicial para a era dos games na TV e nos cinemas. Entre erros e acertos, esse posto não será do novo Mortal Kombat.

Aliás, a adaptação dos games da NetherRealm tem tudo para ser divisiva. Não necessariamente por tomar grandes riscos ou decisões ousadas, mas sim por colocar grande esforço de produção em algo que se contenta em entregar o básico, criando uma experiência que é divertida em muitos momentos, mas que joga tão seguro ao ponto da frustração.

Mortal Kombat: comparamos os personagens do novo filme com o clássico de 1995

A trama acompanha Cole Young (Lewis Tan), um lutador de MMA que se envolve em intrigas de realidades paralelas ao ser caçado por Sub-Zero (Joe Taslim), assassino enviado pelo perverso Shang Tsung (Chin Han). Acontece que, há séculos, a humanidade disputa o controle da Terra com reinos paralelos em uma competição sangrenta chamada de Mortal Kombat. Com o reino da Exoterra prestes a ganhar seu décimo torneio consecutivo, o destino do planeta fica nas mãos do deus do trovão Raiden (Tadanobu Asano), que reúne Cole e outros lutadores escolhidos para defender a humanidade na disputa.

Cole Young em luta
imagem: thesun.co.uk

Para quem nunca teve contato algum com Mortal Kombat, o filme faz um ótimo serviço em traduzir uma mitologia bastante expansiva - de realidades alternativas, tradições anciãs, deuses antigos e forças do mal - em algo de fácil compreensão. O mais surpreendente, é conseguir isso sem alienar o fã antigo, algo consistente com a forma de narrativa de títulos recentes, como Mortal Kombat X e Mortal Kombat 11, ainda que bem mais superficial. É visível que há muito carinho pelos games na produção, que consegue preservar a essência do material-base.

Como “fan service”, o longa é um acerto: alterna entre brincar e homenagear a própria mitologia, apresenta um grupo considerável de rostos dos jogos, e recria cenários e figurinos de forma precisa, mas sem deixar de tomar algumas liberdades criativas que lhe garantem autenticidade. Seja nos fatalities bastante sangrentos (um dos maiores destaques), ou então em piadas muito específicas, como Liu Kang (Ludi Lin) “apelando” na rasteira durante uma luta, é certo que há algo de valor para o público mais experiente e fiel.

O problema é a construção de Mortal Kombat como filme. O roteiro não faz ideia do que explorar no universo intrigante que tem nas mãos. Sem um bom gancho na trama, fica visível que a única motivação da obra é criar uma franquia nos cinemas. Isso motiva decisões questionáveis, como deixar o torneio titular apenas para a sequência, e usar suas quase duas horas de duração para criar uma equipe de heróis, em uma estrutura narrativa que mira na Marvel Studios, mas entrega uma jornada de descobrimento juvenil a lá Percy Jackson, em que cada um dos lutadores precisa achar seu poder interior. A abordagem não bate com o tom, e também dá um gosto de adaptação genérica ao longa. Salvo por Kano (Josh Lawson) aliviando a tensão com bom humor, Mortal Kombat não demonstra um pingo de alma em sua trama ou personagens, e mais parece fruto de uma inteligência artificial do que da criatividade de um humano.

A direção talvez seja o maior dos problemas. Não é incomum que diretores de comerciais e videoclipes migrem para o cinema, mesmo em projetos grandes. No começo dos anos 2000, por exemplo, foi o caso de Zack Snyder com Madrugada dos Mortos (2004). Já Simon McQuoid tinha certa proximidade com o universo dos games, ao ter comandado propagandas para Halo e para o PlayStation. O cineasta, porém, não fica à altura de Mortal Kombat, e falha não só em dar estilo e personalidade ao longa, mas também em tornar as lutas, o ponto central da nova adaptação, combates interessantes e criativos.

É preciso ressaltar o quão bom é o elenco do longa, especialmente no lado asiático, repleto de intérpretes experientes em artes marciais e produções de gênero. Isso não fica visível nas mãos de McQuoid, que roda as brigas sem nenhuma atenção ao ritmo, ao impacto da porradaria ou ao esforço dos participantes. Também não há consistência alguma nos combates, que ora são super picotados e mal montados, ora são tão lerdos que mais parecem um ensaio.


Scorpion no Mortal Kombat 11
Imagem: uhdpaper.com

Entre os atores, há poucos cujo talento é tanto que se destacam mesmo na câmera medíocre do cineasta. O Kung Lao de Max Huang, por exemplo, brilha em todos os momentos que aparece, ainda que a expertise do discípulo de Jackie Chan pouco dê as caras. Já o Sub-Zero de Joe Taslim é tão ameaçador e habilidoso que sua presença é a mais marcante de toda a obra. O Scorpion de Hiroyuki Sanada, eternamente em guerra com Sub-Zero, também fica à altura do rival, e a dupla protagoniza as duas únicas lutas que verdadeiramente valem a pena. Mas, para um filme em que a porradaria é ofertada como prato principal, é especialmente decepcionante sair insatisfeito com isso.

Tanto a escrita quanto a direção decepcionam aqui, mas nem sempre ter um diretor novato é sinônimo de fracasso. Afinal, em 1995, a New Line Cinema fez justamente isso, colocando o então-iniciante Paul W.S. Anderson para comandar a primeira adaptação de Mortal Kombat. O clássico é de uma galhofa gigantesca, com lutas lamentáveis e uma aura de filme B - e mesmo assim se sai melhor que a versão de 2021, justamente por demonstrar escolhas ousadas e um estilo marcante em prol do puro entretenimento.

É possível se divertir com o novo filme, seja pelo carisma do elenco, pelos ocasionais fatalities ou pelo universo intrigante, mas é uma obra que em momento algum demonstra ter a voz de um cineasta. Na promessa de uma sequência que enfim mostrará o torneio (e a chegada de Johnny Cage), há com o que se animar no futuro, mas urge a necessidade de uma nova equipe criativa que realmente queira entregar um filme bom com todas as peças que têm nas mãos, e não só levantar uma marca bilionária nas telonas para o estúdio.

Poster Mortal Kombat
Imagem: mb.web.sapo.io


Army of the Dead é um resgate dos blockbusters de zumbi

Primeiro filme de Zack Snyder pós-DC é sangrento, brega e divertido em doses iguais

Carlos Gabriel Tolêdo

Fonte: omelete.com.br

Em: 11.05.2021

Grupo se preparando para o assalto
Imagem: sm.ign.com

Ouvir o nome de Zack Snyder automaticamente traz uma associação com quadrinhos. Não é sem motivo, considerando que o cineasta passou os últimos 15 anos envolvido com obras como 300, Watchmen e Liga da Justiça. Porém, antes de se tornar referência para adaptações de HQs, Snyder lançou sua carreira com o terror Madrugada dos Mortos (2004), remake do clássico de George A. Romero. É isso que torna tão interessante vê-lo retornando para o subgênero de zumbis com Army of the Dead: Invasão em Las Vegas, seu primeiro longa original desde Sucker Punch (2011).

A produção da Netflix é importante para o cineasta, que originalmente bolou a premissa ainda no começo dos anos 2000, mas que só agora tirou a ideia da gaveta. Na trama, a cidade de Las Vegas é tomada por uma infecção zumbi após a fuga de um experimento da Área 51. Os militares agem rápido para isolar o local, cercar com muros e manter todos os mortos-vivos do lado de dentro. Com a praga controlada, o resto do mundo atinge um grau de normalidade, e o governo decide exterminar os mortos-vivos com uma bomba nuclear. O problema surge quando o ex-soldado Scott (Dave Bautista) recebe a proposta de montar uma equipe e invadir a cidade em suas últimas horas para saquear o cofre de um cassino, que foi deixado para trás com US$200 milhões.

O filme pode não servir nada realmente inédito ao subgênero, tão explorado entre as décadas de 1980 e 2010, mas traz leves modificações que criam uma experiência única. O início da infecção ter uma aparente conexão alienígena, por exemplo, ou então o fato de não ser uma jornada pelo pós-apocalipse. O surto foi contido com sucesso, e o mundo mantém certa normalidade exceto pela região contaminada. Esses elementos são pequenos por si só, mas ajudam a remixar fórmulas conhecidas, e tiram da jogada noções como “a origem do surto viral” ou “a luta cotidiana pela sobrevivência”. Questões do tipo são a base de muitas obras e já foram discutidas à exaustão em todo tipo de mídia. Com isso fora do caminho, o longa pode focar na missão principal sem maiores preocupações.

Em Army of the Dead, Snyder reconhece o impacto que sua versão de Madrugada dos Mortos teve para os zumbis no começo dos anos 2000 - especialmente para os videogames, bebendo da estética saturada, equipamentos improvisados e inimigos variados -, mas também soa como uma obra perdida daquela época, com regras muito bem estabelecidas e personagens previsíveis. As prévias dão uma ideia de uma jornada mais absurda do que realmente entrega, mas isso não diminui seu peso. O lado blockbuster do subgênero, vivo por títulos esporádicos como um Guerra Mundial Z (2013) ou um Invasão Zumbi (2016), anda tão estagnado que ver algo básico, mas muito bem conduzido, caí como uma luva para os fãs sedentos por sangue, tripas e matanças criativas.

O que faz o filme funcionar tão bem é o carisma de seu elenco. Mesmo sem um pingo de desenvolvimento decente, cada membro da equipe traz algo marcante, e a química entre eles é um destaque por si só, como a parceria entre Scott (Bautista) e Cruz (Ana de la Reguera), ou a inusitada amizade entre o badass Van (Omari Hardwick) e Dieter (Matthias Schweighöfer), especialista em arrombar cofres. Até os mais secundários brilham, como a Coiote (Nora Arnezeder), que guia o grupo pelo mundo dos mortos, ou então a sarcástica Peters, pilota de helicóptero vivida por Tig Notaro - atriz que foi adição de última hora à produção, mas rouba a cena sempre que dá as caras.

Dave Bautista em Army of the Dead
Imagem: observer.com

O elenco merece o reconhecimento especialmente por conseguir criar personagens tão divertidos em cima de um roteiro bastante questionável. A trama é convincente, mas os diálogos são terríveis: excessivamente expositivos e bregas, porém não de um jeito irônico. Há muitos bons momentos de humor que surgem ao longo da obra, mas raramente os risos vêm das piadas intencionais. Os primeiros 40 minutos do longa, que servem apenas para preparar o terreno, são um verdadeiro teste de resistência. Felizmente, quando as coisas engatam, Army of the Dead conquista, e muito se dá pela ótima direção. O que Zack Snyder deixa a desejar como roteirista, ele compensa por trás das câmeras.

Em eventos de divulgação, o diretor enfatizou que o longa não se trata só de horror, mas sim uma mistura de gêneros. O filme segue essa ideia à risca, e mostra influência tanto de Romero, quanto Fuga de Nova York (1981), de John Carpenter. Transitar entre ação e terror não é tarefa fácil, mas o cineasta se mostra flexível. Um momento em que o grupo precisa passar uma cozinha infestada de mortos começa repleta de tensão, e é conduzida de forma sufocante e claustrofóbica quando os soldados tentam encontrar o caminho em meio à escuridão. Eventualmente, as coisas dão errado, e a cena vai do silêncio ao caos, com tiroteio, fuga e traição e boas coreografias de porradaria. É um pouco surpreendente que Snyder consiga alternar o tom de forma tão fluida, especialmente acumulando funções nos bastidores. Isso, porém, tem um preço.

Após anos de produções visualmente marcantes, é normal esperar um espetáculo do cineasta, mas esse é o seu trabalho mais esteticamente moderado até agora. Muitas de suas marcas registradas dão as caras, como as composições melancólicas, o apreço pela mitologia e religião e, claro, o uso sem ressalvas de slow motion. Ainda assim, a frequência e a escala dessas decisões estilísticas são muito mais comedidas do que o esperado, sem muita grandiosidade.

Muito disso vem do fato de que essa é sua primeira vez como diretor de fotografia, função que antes era de colaboradores como Larry Fong (300, Watchmen, Batman vs Superman). Sem o colega (que recebe um easter egg em forma de cartaz de show de mágica), Snyder dá uns passos para trás e tenta aprender a realizar seu ambicioso estilo autoral com as próprias mãos. O resultado é algo diluído, mas altamente digerível para quem não vai com a cara de seu trabalho. Já quem é fã pode ficar desapontado de vê-lo mais limitado. Em ambos os casos, porém, a assinatura do diretor é bastante visível.

Army of the Dead pode ter muitas ideias repetitivas e não impressionar na trama ou nos personagens, mas é autêntico em reconstruir a pegada dos filmes de zumbis dos anos 2000, focando na sanguinolência (muito bem feita, por sinal) e na ação. É especialmente interessante que esse tenha sido o primeiro projeto de Zack Snyder após anos dedicado à DC Comics. Para quem construiu uma fama de fazer obras sombrias e realistas, aqui é muito visível que o objetivo foi se divertir. Isso também se estende ao elenco, que eventualmente contorna o roteiro lamentável e abraça a breguice, visando o puro entretenimento. O resultado é altamente satisfatório: um filme que segura o espectador pela ação, pela tensão e também, claro, pela tosqueira. Tudo sem medo de ser feliz.

Crítica: Mortal Kombat vive pelo fan service em filme morno

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